segunda-feira, 17 de março de 2014

Way Station

Em português como: Estação de Trânsito, na coleção Argonauta, nº 130-A [nunca entendi esse "-A"]
Autor: Clifford D. Simak
Editora: Old Earth Books --  Ano livro / história: 2004 / 1963
Páginas: 228  --  Capa dura, tamanho padrão.
ISBN: 978-1-882968-27-5
◄ clique na capa para o resto da paisagem.

Um clássico que demorei para ler. Se não me engano, ele só foi chamar minha atenção em conversas numa lista de e-mails de fãs portugueses sobre ficção-científica (essa aqui, que está meio morta faz tempo, mas já foi bem animada).

O próprio Simak em si nunca me chamou a atenção também, e o único livro que eu lera dele até este foi um tanto traumático. Foi o Boneca do Destino (Destiny Doll). A história prendia a atenção, alguns conceitos interessantes, mas meramente mediana e com um final tão ruim, que pôs todo o resto decente a perder. O pior é que parece que as pessoas não acharam assim tão ruim. Fiz, agora, uma média entre Amazon, Google Books, Goodreads e o Skoob [e acabei de descobrir que o site O Livreiro morreu! ok, eu não gostava dele, mas é chato. Que pena.] e o livro ficou com nota 3,6 de 5 (ou 7 de 10, se preferirem). Eu daria menos.

Acabei ficando com uma enorme curiosidade pelo Way Station por falarem tão bem dele, até com uma certe reverência. Mas... O trauma anterior me segurava. E vai que eu leio e acho uma bosta? É como diz o ditado "Expectativa é uma merda."

Bem, eu li. E é MUITO bom! :-D

Por algum motivo (apesar de não lembrar, certamente já li alguma sinopse do livro nestes anos todos), eu sempre tive aquela sensação de que seria um livro bucólico, o sujeito, na sua fazendinha e, assim como quem não quer nada, um bando de ETs papeando no celeiro. Imaginava algumas situações ou descrições meio psicodélicas (preconceito meu com livros dos anos 60), mas no geral, algo mais melancólico. A capa do meu livro, bem mais campestre que as antigas, também ajudou a sensação. A maioria das demais que vi eram meio malucas ou tecnológicas. A que eu esbarrei que mais tem o clima estilo da minha foi uma edição polonesa! [imagem melhor aqui] (mesmo assim, tem um treco que parece um balão high-tech em cima). Na minha cabeça, como o personagem principal era um ex-militar de guerras do velho oeste, achei até que a história passaria toda naquela época, com uma visão de alguém mais "primitivo" sobre todo esse rolo de sociedades interplanetárias.

Mas vamos à história: um ex-soldado da Guerra Civil Norte-Americana (aquela, do Sul contra o Norte) [e que gerou um dos poucos quadrinhos do Pato Donald que eu lembro até hoje] um dia é visitado por um sujeito meio estranho, que quer contratá-lo - pois após uma longa busca, ele pareceu a pessoa perfeita para o cargo que ele tem em mente.
O cargo: tomar conta de uma estação de transferência de viagens interplanetárias. Como quando o trem pára numa estação, aguardando liberar a linha à frente. Só que as pessoas viajam sozinhas ou em grupos pequenos, e não tem vagão, é por teletransporte. No universo do livro existem viagens por nave espacial também, mas são bem mais demoradas do que o transporte instantâneo, feito pelo maquinário que o nosso herói, Enoch Wallace, toma conta, e que fica mais ou menos escondido na casa dele, no interior dos EUA. Digo "+/-" porque a estação ocupa uns 90% do lugar, mas todo este resto da casa é inacessível por quem não sabe abrir a passagem para lá.

E nessas paradas, aguardando poderem continuar viagem, os alienígenas (de várias raças e planetas) ficam na casa do sujeito, fazendo hora, colocando o papo em dia com o guardião local e até deixando presentes. Tudo no mais absoluto segredo, pois o Enoch é o único humano que sabe que tudo isso acontece. [claro, se você parar para pensar, verá que é uma operação insana, mesmo que sejam muito poucas pessoas fazendo viagens interplanetárias, você multiplica isso pela quantidade de planetas, e pronto!, não rola de 1 só sujeito dar conta e nem do hub ser tão tranqüilo, mesmo sendo uma estação nova num canto pouco movimentado da galáxia, mas... se formos começar a procurar furos em livros de ficção científica, ferrou! E a idéia do livro não é promover as bases para um sistema viário espacial a ser implantado em breve pela NASA nem nada, então dane-se! Ignore e aproveite.]

Uma coisa legal em ser o encarregado da tal estação de trânsito: ele é praticamente imortal. Dentro das instalações ele não envelhece. Então fora a caminhada matinal, conversar com o carteiro, e algumas atividades rápidas no mundo externo, o tempo não passa para ele. [não lembro agora onde ele dorme, mas se for dentro da estação também, a cada 24 horas ele deve envelhecer umas duas ou três apenas]

E aí... começa a história... que se passa nos anos 60 e temos um tipo de agente do FBI (ou da CIA) dizendo que está investigando o sujeito. Aí tive a má sensação de "putz, vai acabar sendo um livreco, e o personagem, dono da tal estação, que eu tinha grandes esperanças, um coadjuvante." Acabou que não. Apesar do livro se passar 100 anos depois do que eu achava [eu não sabia disso da imortalidade até começar a ler], todo o climão que eu imaginara (ou já sabia, não lembro) estava lá sim. E a introdução, com os agentes, serve para não só te introduzir o Wallace mais rapidamente do que seria com ele sozinho e pensando consigo, como te dá um gancho de uma curiosidade que você só vai matar já quase no final do livro.

A propósito, algo legal no livro, sobre o teletransporte dos viajantes, é que ele não é do jeito estranho de Jornada nas Estrelas, onde a pessoa é mesmo "transmitida". Aqui eles fazem o que sempre fez mais sentido na minha cabeça: uma vez que a pessoa é toda "digitalizada", você passa a ter toda a informação necessária para criar uma cópia dela em outro lugar. E é o que é feito. Quando o passageiro chega numa estação, o corpo original ainda existe, morto, na estação original. [aguarde, já falo sobre isso!] Em Jornada nas Estrelas nunca fez sentido que existam replicadores que podem fazer quantas maçãs você quiser, porque a "receita" de uma maçã já está lá guardada, mas na hora de replicar uma pessoa, a "receita" não é e nem pode ser guardada. Porra, se é informação... dá para salvar num disquete! A pura verdade é que, cada vez que o Spock fosse transportado, do outro lado deveria sair uma cópia e o original ser assassinado (desmaterializado, ou o termo que você preferir), para não ficarem com dois. Vide o O Grande Truque. [que se você não viu, não releia a frase, esqueça o que eu disse - assista isto aqui para matar alguns neurônios em grande estilo - e aí depois veja o filme!]

Agora, voltando à parte do corpo morto na estação original, na história a razão das sobras não é nenhuma questão física, é devido a... hummm... eu esqueci o termo que eles usam, acho que é força espiritual (não estou com o livro aqui) mas simplifiquemos, é como se fosse a alma e pronto (sei lá, realmente esqueci o termo usado), o que nos leva à um dos conceitos do livro, importante em sua segunda metade. E que me deu uma certa ressalva, enfiando espiritualidade na história, mas já aviso logo, não compromete e nem afeta a trama, é um mero um MacGuffin (uma desculpa qualquer para fazer a história girar) do que algo que você precise pensar no assunto. [e no livro o personagem ainda qualifica tudo meramente como tecnologia avançada, vide a 3ª Lei de Clarke, então tudo bem, ninguém lá fala em vontade divina, anjos, nem nada assim]

O que acontece na segunda metade da história, que uma hora iria parar de só ficar filosofando e comentando sobre a vida, o universo e tudo o mais [que eu até estava gostando, e descobri que existe um negócio chamado Pastoral Science Fiction, pesquisarei mais a respeito depois], é que não só descobrimos o que era o tal gancho dado no começo da história (e aí o agente da CIA volta a aparecer na história) como ficamos sabendo que o universo aí fora não está tão fofinho quanto parecia. Roubaram uma máquina (irreproduzível) que levava o contato espiritual aos povos da galáxia. É como se o Papa andasse por aí levando uma máquina que fizesse as pessoas amarem uns aos outros. E a máquina foi roubada. E não tem mais Papa. Soa mal explicando porcamente assim mas, acreditem, isso é o que menos importa.

E o tal roubo é o mote para termos um pouco mais de ação e resolver também algumas das tramas paralelas. E o gancho dado lá no começo serve para complicar a vida do nosso herói, para ele não ficar só lendo o diário e relembrando visitas anteriores, preocupando-se se haverá uma nova guerra mundial, conversando amenidades com o carteiro, ou colhendo flores silvestres com a vizinha surda/muda. Que por sua vez também causa um pouco de complicação para a vida do sujeito, cujos vizinhos notam que ele não tem envelhecido, mas faziam vista grossa... Até então. Uma das tramas paralelas até envolve a possível destruição da Terra, mas a história é contada de um jeito... que você fica mais preocupado com os vizinhos caipiras do protagonista do que com isso. Ele próprio solta um suspiro de que tudo que podia dar errado, resolveu dar errado ao mesmo tempo.

Resumindo, eu não sei como recomendar esse livro direito. [normal isso] É uma excelente FC mais tranqüila, bucólica mesmo, com bons personagens, até um bom andamento, em que você acompanha o dia-a-dia do sujeito, mas com vários conceitos que beiram a fantasia [a cena com a borboleta! só entrego isso.] ou impraticabilidades tecnológicas mesmo, como a já mencionada tranqüilidade da estação, por ex. Ah, e ele tem um holodeck e amiguinhos virtuais.

Mas de novo, é um excelente livro, e eu quero que vocês leiam. É de um estilo mais inocente e otimista, com algumas soluções até um pouco ingênuas (e até previsíveis) e, se eu não soubesse que o livro é dos anos 60, facilmente acharia que ele é dos anos 20 ou 30, épocas de Uma Princesa de Marte ou dos Homens-Lente.

Terminando, para quem quiser um resumo decente da ambientação:
Hard SF.org [que me fez lembrar porque os 'frames' em sites morreram]
Ou para quem quiser ler mais elogios ao livro: Resenhas na Amazon
Tudo em inglês, porque não achei resenhas em português.

E se resolverem comprar e inglês não for um problema, tentem comprar a edição igual a minha, da Old Earth Books. Ficou muito bonita e bem acabada. Está em falta na Amazon (até tem, mas usada) mas, aparentemente, ainda tem no site da editora (link lá no alto da postagem). Já a edição em português é bem rara; mas tem a venda na AbeBooks (encontrada via AddAll, adoro esse site, já me ajudou muito), só que custando mais do que a capa dura (e nova) que indiquei.

Novamente, um excelente livro. Preciso ler mais Simak daqui por diante.
Vocês façam o mesmo!

Nenhum comentário:

Postar um comentário