sexta-feira, 29 de novembro de 2013

The Ballad of Beta-2

Autor: Samuel R. Delany  --  Editora: Ace
Páginas: 124  --  Ano livro / história: 1971 / 1965
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Contexto:
a humanidade lançou uma esquadra de 10 naves geracionais para colonizar o espaço mas, logo depois, descobre como viajar acima da velocidade da luz e coloniza o cosmos. Enquanto isso, as 10 naves fazem o percurso da forma mais longa possível. Muito tempo depois, quando elas finalmente chegam ao planeta inóspito que deveriam colonizar (na verdade, duas delas nunca chegaram), a humanidade já está lá faz tempo e olha torto para aquele povinho primitivo (o "povo das estrelas"), que praticamente voltou ao barbarismo durante o trajeto, e os deixam orbitando um planetinha qualquer, para que vivam lá sem incomodar e sejam esquecidos. Que é o que eles queriam também. Nem sair das naves eles saíram.

A história: um aluno de antropologia, à contragosto, é incumbido pelo professor de uma atividade um tanto banal, mas o professor insiste justamente por ser algo que nunca foi dada a devida atenção: pesquisar os tais "star folk". O aluno protesta, alegando que o povinho é tão vagabundo, que mesmo passando tanto tempo isolado, nunca criou nada de diferente nem deu nenhuma contribuição às artes, poesia, música, etc. E o professor resolve fazer o aluno pesquisar justamente seguindo esta linha. E lá vai o sujeito, de cara amarrada, fazer o trabalho de campo.

Opinião: essa conversa entre os dois ocupa o 1º capítulo inteiro, que são só 5 páginas. E foi o suficiente para me deixar bem curioso. [mas eu sou suspeito, porque quase fui professor de História] [e pena que seria crime eu colocar isso no ar, mas fica a recomendação de vocês irem atrás. Dá para achar o livro em forma digital sem dificuldade na net. E aí depois de lerem as 5 primeiras páginas e ficarem curiosos, comprem e leiam o livro.]

No começo do capítulo seguinte temos o aluno lendo o principal poema deste povo, do pouco que já foi pesquisado. E em seguida fazendo suas análises iniciais de partes que obviamente foram transcritas com erro, e rearrumando alguns termos. E finalmente, ele vai até o tal povinho para melhor pesquisar. Segue a parte principal do poema:

She walked through the gates and the children cried,
She walked through the Market and the voices died,
She walked past the court house and the judge so still,
She walked to the bottom of Death's Head hill...


O legal é que só vamos descobrindo a forma correta do poema a medida que o aluno vai também entendendo melhor o contexto e as analogias. No começo o aluno crê que o povo só fazia canções repetindo temas de quando moravam na Terra, como cidades, desertos e areia, mesmo quando nada disso mais existia para eles. Mas vamos aos poucos, junto ao protagonista, descobrindo o que queriam dizer esses termos para eles.

E vamos também resolvendo o mistério do que aconteceu com a nave Beta-2 e o que diabos aconteceu com elas no caminho.

Fazia tempo que eu não pegava um livro e ficava com vontade de terminá-lo numa única sentada (o livo é fino, até dá para fazer). Eu realmente fiquei curioso em saber o que deu errado, entender do que os personagens e suas gírias antigas (no universo do livro) falavam e, assim como o protagonista, tirar sentido da balada.

Uma coisa legal é que a narração as vezes dizia coisas como "E Joneny, em seu medo e preocupação, não percebeu naquela resposta, a dica para outras respostas que ele buscava." Ou seja, o autor descaradamente nos avisando (os leitores) de que ali foi dito algo importante, e não só o protagonista, mas nós também não percebemos. Uma outra passagem divertida é quando o protagonista entende, complemente errado, palavras normais para nós, mas antigas e desconhecidas para ele. [e eu preciso descobrir mais livros de FC com situações lingüísticas como tema, foi um enredo bem interessante]

Claro, nem tudo são flores no livro. O protagonista em si começa a fazer as suas pesquisas nas naves abandonadas em órbita, começando pelas vazias, justamente para tentar ter o menos contato possível com o tal povo que saiu delas; e, no final, é só até onde ele chega mesmo. Eu fiquei curioso em saber em que estado estava a população e a cultura dos sobreviventes.

Boa parte da história é contada através de gravações antigas da nave, mas a nave ainda ficou muito tempo no espaço depois daquilo e antes de chegar ao destino, então, de certa forma, não ficamos sabendo no que deu, socialmente falando, os acontecimentos que acompanhamos. O livro dá uma rápida mostra, mas eu queria mais.

E, claro, tem a "criança mágica". Além do pesquisador (e do professor, mas só nas primeiras páginas), e dos personagens que conhecemos através das gravações (mortos faz muito tempo), só há um outro: uma misteriosa criança que vive nas carcaças das naves, sem nem precisar de oxigênio e comida (ou a devida pressão atmosférica). Você acostuma-se a ela, mas na hora, como eu estava interessado mais na parte de pesquisa histórica/linguística (e detetivesca) da trama, ter uma criança alienígena de olhos verdes voando em volta do personagem deu um certo choque e uma incomodada.

Perdeu um pouco do charme, mas ainda foi um livro cuja premissa inicial foi interessante o suficiente para prender a atenção (com ou sem criança, e apesar da capa horrenda). Há também alguns tons religiosos na história, mas nada que chame a atenção se você não estiver preocupado com isso.

E um detalhe bobo, rapidamente citado no texto, mas achei uma tecnologia interessante no universo do livro. O protagonista, para não perder muito tempo na pesquisa que ele achava que seria desinteressante, utiliza um recurso de ajuste temporal: ele passará uma semana pesquisando o povo, mas apenas 24 horas passarão para as outras pessoas. Não lembro agora se isso significava uma viagem no tempo ou se ele estaria "acelerado", mas chamou a atenção.

Terminando, três resenhas para vocês. Todas com spoilers.

Republibot.com: The novel is enjoyable, brief, and worth reading, just not as powerful as Delany’s later works.
O legal desta resenha é que o cara também comenta sobre o autor zuando o personagem, dele não ter prestado a devida atenção ao que foi dito a ele naquele momento. Realmente, foi uma passagem divertida. Se isso for uma marca do autor, preciso ler mais Samuel Delany.

Omphalos' SF Book Reviews:
My recommendation is that you read every word Delany ever wrote, but if you do decide to pick and choose, this one should be on your list.

For the birds: Delany is a transcendental writer in the best sense of the word.
OBS: achei o texto desta resenha legal, mas note que a frase que virou link nem é sobre o livro em si. Acho que o texto foi escrito por um professor de literatura. É meio viajante. Mas achei interessante, então cá está.


[ATUALIZAÇÃO]: algo que só descobri bem depois de ter lido o livro e feito a postagem, e esqueci de voltar para comentar... O livro existe em português. Saiu pela Edições de Ouro (futura Ediouro) no final dos anos 70, devidamente traduzido - "A Balada de Beta-2". É um daqueles brancos, com FANTASTIC escrito na capa. É tanta coisa na capa que fica complicado dizer qual a série, coleção, ou sei lá. A Traça descreveu como "Coleção: Infinitus - Fantastic, F37 - Categoria Copa, nº 587" e ainda tem um "Alto Nível" escrito no canto... seja lá o que isso for. Quem não sabe inglês, não tem desculpa agora!]

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