domingo, 19 de janeiro de 2014

Winkie

Título original: também Winkie [que poderia ser traduzido como Piscadinha ou Piscadela]
Autor: Clifford Chase
Editora: Bertrand Brasil --  Ano livro / história: 2011 / 2006
Tradução de: Bruna Hartstein  --  Páginas: 278
Tamanho: padrão, 14x21cm (+/- meia folha A4)
Acabamento: excelente, com direito a detalhes brilhantes e relevo na capa.  --  ISBN: 978-85-286-1474-9

Pois é. As vezes eu também leio livros que não são de ficção-cientifica! Com tanto livro interessante no mundo, e com tão pouco tempo até o dia da minha morte, é preciso ter foco. Mas... Quando eu vi a capa do livro, numa andança aleatória pela livraria, não deu para não pegar e olhar melhor. Depois vi a foto da contra-capa (muito boa, mas estou sem nenhum scanner por perto e não a encontrei na internet) [achei a americana, mas é diferente] e, finalmente, não deu para resistir à descrição oficial na orelha do livro:

   " Neste engraçadíssimo e surpreendente romance, um gentil ursinho de pelúcia ganha vida e vai parar no lado errado da guerra americana contra o terrorismo.

Após sofrer durante décadas a negligência das crianças que costumavam amá-lo, Winkie percebe que, para tomar as rédeas de seu destino, basta decidir fazê-lo. Então, atira-se da prateleira, pula a janela e segue para a floresta. Entretanto, tão logo começa a descobrir o prazer e as maravilhas da mobilidade, da autodeterminação e até mesmo do amor, sua sorte termina.

Pouco depois de encontrar a cabana de um professor solitário, o ursinho se vê cercado por um esquadrão da SWAT, que imediatamente conclui ser ele a mente maquiavélica por trás de dúzias de ataques terroristas rastreados até a floresta. Aterrorizado e confuso, Winkie é levado a julgamento, no qual a promotoria busca selar o destino do pequenino urso chamando para depor testemunhas dos julgamentos de Galileu, Sócrates, John Scopes, Oscar Wilde e das bruxas de Salém.

Com uma gama de personagens que varia de uma servente muçulmana lésbica a um advogado gago e uma filhote deurso que vive citando lacan, winkie apresenta uma crítica mordaz da paranoia em que vivemos atualmente. Num segundo plano, o romance de Chase é uma bela reflexão sobre as lembranças e o amor que nos remetem àquela época de nossa vida anterior à consciência, quando um brinquedo de pelúcia ou uma simples história podia nos garantir indiscútiveis consolo e sabedoria. "


E de novo, vocês viram a cara de maluco do urso? Eu tinha que ter esse livro. Ok, não li correndo logo em seguida, o livro ficou olhando para mim da estante por mais de 2 anos, mas uma hora todos serão lidos. Foi a vez dele.

Com uma descrição como a acima, apesar de soar bem poética em alguns pontos, eu esperava a história sendo mais corrida e humorística. Longe do escrachamento de um Ted, mas naquela linha. Uma espécie de Ted para quem passou dos 40 e lê a sessão de política internacional do jornal ou é capaz de reconhecer referências ao Julgamento do Macaco (pesquisem por O Vento Será Sua Herança). [claro, gente mais nova também pode entender tudo isso (e muito mais), mas era só para vocês entenderem o ponto.]

O que acabamos tendo é uma história muito mais lenta, com passagens para você se imaginar ali ou refletir nos pequenos detalhes que só um sujeito que acabou de aprender a andar e tem 40 cm de altura (na verdade, não sei a altura do personagem) prestaria atenção. Também são feitas muitas críticas sociais, chamando atenção para dezenas de hipocrisias ou insanidades com as quais convivemos. E claro, muitos momentos bem "viajantes", com passagens quase oníricas, ou outras dignas de Monty Python.

Mas também não pensem que o livro chega a ser psicodélico. Na verdade, o personagem começa o livro sendo preso e assim, num chutão, diria que metade dele são de flashbacks variados, e a outra metade é tomada pelo julgamento do urso, num tribunal.

O urso em si, principalmente no começo da história, nem sequer parecia ser o personagem principal. Como se ele estivesse ali apenas como um intermediário entre o leitor e os humanos com os quais ele convive. Cheguei a imaginar se o livro não seria um jeito disfarçado do autor escrever algum tipo de biografia familiar dele, ainda mais que num dado momento ele próprio é um personagem, mas perdi a impressão com o andamento da história.

Um detalhe, por exemplo, que me decepcionou no começo, mas que depois eu me acostumei, é que o urso praticamente não fala. Ele pensa muito, mas pouco fala com as pessoas e, quando o faz, normalmente não vemos. Há toda uma seqüência em que o urso relembra uma longa conversa que ele teve com o advogado, em que a cumplicidade entre ambos já estava tamanha, que um era capaz de completar as frases do outro... Mas vimos esta conversa? Não. Só o urso relembrando-a.

Cheguei a imaginar até se urso não era mudo, uma espécie de Haroldo (ou Hobbes, o tigre de pelúcia do Calvin) e que, com pessoas por perto, ele nunca se mexeria ou falaria [mas depois eu lembrei que a primeira "cena" do livro é dele sendo preso, andando e com as mãos erguidas]. Ficou só na impressão também, mas não esperem muitas conversas dele com as pessoas - o humor do livro está nas situações absurdas e no reconhecimento das piadas quando elas surgem [e certamente, eu perdi várias].


Na mesma semana em que terminei o livro, por acaso vi no cinema o Dr. Fantástico ou Como Aprendi a Parar de Me Preocupar e Amar a Bomba e, apesar das histórias não terem nenhuma semelhança, durante o filme o livro me veio a mente. O esquema é parecido: as piadas vão sendo jogadas de qualquer jeito, algumas complexas e profundas, outras bem pastelão, e você vai pegando pelo caminho ou não, e não dá tempo de pensar muito no assunto porque a cena mudou. Aproveitando o Peter Sellers, se você for fã deste filme e também do Muito Além do Jardim, arrisco dizer que Winkie seja uma boa pedida.

Uma coisa também para vocês se prepararem é que o "vai dar merda" não é só extremamente demorado... Parece que o livro inteiro é feito para você ter essa sensação. São várias pequenas coisas ou acontecimentos, mas você *sempre* fica, o livro todo, com aquela sensação de crescendo [nerd musical!], de que a merda está se acumulando e uma hora a pilha vai virar.

E aí o livro termina e, se você começou a lê-lo com uma expectativa errada (meu caso), você fica com aquela sensação de que foi, de certa forma, enganado, de que a história foi por caminhos completamente diferentes do que a orelha me induziu [nem tanto, mas quando finalmente puxei o livro para ler mal lembrava mais da dela, lembrava só do terrorismo, da muçulmana lésbica e do advogado gago], mas, ao mesmo tempo, queria continuar ali, naquele mundo louco mais um pouco. Como se você juntasse as emoções conflitantes e, ao fechar o livro, as resumisse num lacônico: "Porra! Ué, acabou?" Ou, de forma melhor escrita, parafraseando [vulgo: roubando e alterando] uma moça ruiva [adoro ruivas!] que resenhou o livro no Skoob: "Eu não sei o que o autor quis dizer com o livro, mas eu gostei de ler".

Pois é. Foi isso. Mas não se preocupem, muita coisa lá dá sim para saber o que ele quis dizer, é só maneira de falar. É um livro estranho, esquisito, engraçado, e cheio de boas intenções. Uma boa leitura e dá um bom presente.

Agora, outras resenhas:
Começando pela ruiva: Nanie's World: "Ao mesmo tempo complexo e simples, cheio de significado e apenas mais um livro nonsense." [na foto dela no blog ela está loira, mas tudo bem... ruiva honorária, que seja!]
Paraíso em Papel: "Winkie é assim mesmo, doce, inocente, puro, intenso, tocante, irônico, malicioso e divertido. Como pode um livro ser tudo isso ao mesmo tempo?"
Cultivando a Leitura: "Recomendado a todos que gostam de uma história engraçada, diferente e comovente." [também gostei mais da capa nacional que da original]

E tá bom. Gostei dessas 3, são curtas e diretas. Achar outras resenhas é fácil. Procurem aí. [e, putz!, todas as resenhas que li foram feitas por garotas! será que nenhum blogueiro homem assume que gostou do livro? ou eu que sou muito menininha? rs!]

Numa nota solta, o livro virou até uma peça de teatro (mas, infelizmente, parece que não ficou boa) e, terminando, uma entrevista com o autor.

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