quarta-feira, 30 de maio de 2012

Os Dias da Peste

A capa é meio esquisita, parece de livro pseudo-espírita; imaginaria-o perfeitamente a venda numa livraria ruim com o nome de "Os 5 Chacras da Cura na Palma de Sua Mão" ou qualquer sandice parecida. [deusesdoscéus!! depois de inventar esse título, fui no Google... e não é que acho um site que praticamente promete ensinar a mesma coisa?]
Voltando... a capa é esquisita, mas o nome ficou tão legal, que não resisti, pesquisei rapidamente sobre a história e como era barato, resolvi comprar. É bem fácil de achar. [será que não vendeu bem? será que foi culpa da CAPA?] [pensando bem, com um nome falando de PESTE, daria para imaginá-lo numa livraria religiosa exatamente como já está]

De: Fábio Fernandes  --  Editora: Tarja Editorial
Ano: 2009  --  Páginas: 184  --  ISBN: 978-85-61541-18-7
Acabamento: normal, mas a capa do meu é muito mais escura. Ficou até melhor do que a acima, que está igual à do site oficial. E algo de esquisito na impressão: pingou uma gota d'água na contracapa e eu passei um pano [esfreguei a camisa] na mesma hora. E não é que saiu parte da tinta?! Que bizarro. Não fico pingando água nos livros para testar, mas achei estranho. Fica o toque para lançamentos futuros da Tarja.

Bem, como o livro são 3 grandes capítulos e eu estou pegando o hábito de começar a escrever antes de terminar, para lembrar o que eu estava pensando, vou fazer essa resenha em 3 partes também. Mas antes disso, deixem eu explicar um pouco a história e como o livro foi montado:

Na história do livro, já estamos em algum futuro distante, em que parece ter havido uma união entre seres computadorizados e humanos. Quase que um Matrix de comum acordo, mas sem mundos virtuais com gente dormindo em gosma. [bem.. na verdade não sei, não temos muitos detalhes de como é esse mundo futuro] E o livro foi escrito como se fosse um brinde de uma biblioteca deste futuro [ou algo assim, já não lembro bem e ele não está aqui para eu reler o mini capítulo introdutório], algo para as pessoas verem como era ler sobre papel nas épocas passadas. E o conteúdo do tal livro seria uma garimpagem de relatos de uma pessoa que viveu no distante final do século XX e início do XXI, época da transição, antes de todos terem acesso à internet (que já não existe realmente) direto no cérebro. As notas explicativas não são feitas para nós aqui (os leitores do mundo real) e sim para para os donos do livro-brinde-do-futuro (os leitores dentro do futuro do livro).
Agora vamos lá...

Capítulo 1: Verdade seja dita, o começo do livro (o meio do começo na verdade) estava me cansando um pouco. A história começa bem leve, sem nada de grande impacto. Ok, um computador te chamando de filha da puta de livre e espontânea vontade é bem interessante. Mas a história não começa com o fim do mundo nem nada. É o cara, que além de professor também é técnico de informática, indo atender um chamado. Algo bem mundano.
O que estava me incomodando logo depois é que a história [o escitor] parecia estar forçando referências demais em espaço de menos. Sim, referencias são sempre legais, mas a história parecia parar de tempos em tempos para uma referência ser solta - ou até explicada. Além de ficar interrompendo a trama, causava aquela sensação de ser o escritor querendo mostrar todo o conhecimento pop/nerd/cult dele em pouco espaço. Mas aí lembrei do detalhe que eu estava deixando de lado... O que eu estava lendo era, dentro da história do livro, a reprodução de um blog de um sujeito. E quem sou EU parar dizer que blogs não podem ser cheio de devaneios, com referências pop/nerds sempre que possível? rs!!! Então, nesse aspecto, até que ficou, digamos, "bem escrito". Mesmo porque, como é que se define o que é bem escrito num blog feito para soltar comentários soltos sobre problemas (e posteriormente, crise mundial) de computadores. Então passa. E eu aceito idas e vindas mentais do sujeito. Porque eu faço quase igual. :-)
[por falar nisso, eu tenho que ler Cory Doctorow algum dia... o livro fala desse cara... todo mundo fala desse cara... consultei minha planilha de livros e descobri que tenho 7 contos dele em 6 livos. Vou fazer uma "maratona" depois... Um dos contos eu já li, mas não lembro, e um dos não lidos é o que é mencionado no livro até. Dei sorte.]

Se bem que em alguns momentos, os comentários de rodapé, colocados lá para compreensão dos leitores do futuros (novamente, do ponto de vista de dentro do universo do livro), principalmente para fazer piada com o desconhecimento futuro de gírias atuais (agora, do nosso ponto de vista, leitores do livro), as vezes eram exagerados. Mas nada demais. É que sou chato mesmo. Podem ler.

Mas voltemos.... O que ficou legal nesse primeiro capítulo, é que tudo acontece bem devagar. Você sabe que vai dar merda, e das grandes, e você fica tenso que nada está acontecendo! Aí vai lendo, torcendo para na próxima página acontecer algo bombástico. Mesmo com alguns problemas e com o sono que eu estava, não consegui parar de ler até terminar o 1º capítulo. E o tal acontecimento só acontece lá na penúltima página dele. [exato 1/3 do livro] E nem é de forma tão bombástica. [bem, seria se fosse no mundo real], mas aí pelo menos deu para fechar o livro em paz.

/* antes do 2º capítulo, resolvi ler o conto do Doctorow mencionado no texto. É o When Sysadmins Ruled the Earth, que pode ser baixado e lido gratuitamente na página do escritor. Achei bom. Nada de impressionante, e sem  reviravoltas ou piadinha final (ambos muito comuns em contos curtos de FC, que deixam eles parecendo episódios de Além da Imaginação), mas gostei. Um drama sobre administradores de sistemas que estavam de plantão no momento em que, por acaso, o mundo acabou em volta deles. O conto em si é ligeiramente menos dramático do que essa frase fez parecer. Mas vão lá e leiam... Será mais rápido. São 40 páginas em "tamanho livro de bolso"; isso em A4 deve dar umas 10 no máximo. */

Capítulo 2: Algo que continuou irritando nessa parte foram as notas de rodapé cuja única utilidade pareceu ser o escritor elogiar os autores preferidos dele. Era só surgir no texto um escritor de FC ou guru tecnológico, e lá vinha a nota de rodapé do futuro dizer que o tal sujeito atualmente (no futuro) é o "Ser Mega Plus Nível 17" ou algo estranho assim. Em alguns momentos, quando a função do rodapé era só fazer piada mesmo, a gente releva (ex.: o Peréio, que eu não sei exatamente o quê a comunidade nerd vê no cara ou seus personagens, mas vá lá, o meme existe), mas quando era só pra ficar dando níveis numéricos, ou citações para consultas em bases de dado do futuro, tinha horas que perturbava. Nem sempre, claro, mas transformar os tais super-computadores do futuro distantes em bestas só para fazer a piada comprometia um pouco a imersão na história. Que diabos de banco de dados do futuro é esse que sabe quem foi Peréio e Odorico Paraguaçu, mas não Getúlio Vargas ou Bonaparte? Quando as notas de rodapé partiam logo para a zuação, sem relação com nomes históricos e sim à referências ou gírias, aí doía menos à história.

E escrevi uma parágrafo inteiro para reclamar de micro-linhas ao fundo de algumas páginas, falar da história que é bom, nada! É que agora já perdeu um pouco o clima de 'vai dar merda' do primeiro capítulo. Nesse vemos o dia-a-dia do cara num mundo em que parte da população têm um amigo virtual senciente praticamente dentro da cabeça. O próprio autor cita outras histórias de FC onde isso acontece.

/* E abro outro parágrafo solto, só pra comentar... Independentemente de qualquer chateação que as referências me causaram as vezes, como a "aula" sobre Turing, o cara tem meu respeito se ele realmente leu tudo que referencia. Devo ter lido uns dois terços dos livros que ele menciona (provavelmente menos, já que prefiro Golden Age à Cyberpunk) e entendido parte das outras referências, mas alguns nomes e livros eu não tinha idéia de quem ou o quê eram. Diga-se de passagem o livro é uma boa fonte de recomendações. Não necessariamente eu goste de tudo citado [não gosto de Neuromancer! É! Falei!] mas além do conto do Doctorow, anotei de conferir vários outros que me pareceram interessantes. Good News from the Vatican e The Quest for Saint Aquin já estão no leitor de livros digitais. */

Voltando a história, vemos como é a integração da sociedade humana com essa nova "população" mundial, sempre presente, com poder sobre as máquinas, mas agindo de forma benevolente e interessada. Eles (as Inteligências Construídas, no termo dentro do universo do livro) têm até uma cadeira na ONU. E vemos parte do impacto disso na sociedade. É o maior dos capítulos, mas parece mais curto do que o primeiro.
E como essa postagem está ficando gigante, vamos logo pro terceiro capítulo.

Capítulo 3: Este é o mais fraco. Parece meio inspirado em Matrix. Mas não se preocupem, é todo no mundo real. É que eu fiquei imaginando o personagem de casacão de couro preto e óculos escuros. O pior é que o personagem é gordo, mas acabei sempre imaginando-o magro. Depois de largar a profissão de professor e arranjar um emprego high-tech de respeito, o cara agora é uma espécie de caçador de vampiros. Na verdade, em retrospecto, apesar de ter lido o capítulo final ontem a noite e hoje de manhã, já não consigo lembrar se entendi o que o cara fazia... Basicamente, ele vai atrás de pessoas cujas capacidades mentais foram pro brejo devido à implantes, como se tivessem sido contaminadas por vírus de computador - que aí resolvem morder as pessoas feitos vampiros - e o cara as "reformata", causando morte cerebral. Hein?!
A parte em que ele banca o detetive para entender um moleque que deixou de ser disléxico fez mais sentido. Fora a profissão maluca do cara, o capítulo é meio como os primeiros, escrito de forma mais solta, já que em tese agora estamos vendo a reprodução de um podcast. Talvez para manter o estilo mais solto, achei a leitura um pouco pior, mas a história é mais oca nesse capítulo, então você o lê mais rápido ainda.

Por falar no estilo mais solto, acho que dá pra resumir que o livro teve 2 grandes problemas: (1) a quebra de clima, toda vez que vinha uma explicação exagerada no meio do texto ou um rodapé desnecessário (não estou dizendo que ambos tenham sido sempre ruins); e algo que pode até ser encarado como "puxa, ficou muito realista", que foi o texto ser, dentro da história, a reprodução de um blog. O problema com isso é que (2) o texto em si soou meio amador, como o de um blogueiro real... ok... daí que até ficou realista. Mas talvez, para agradar minhas sinapses, tivesse preferido que o texto fosse um pouco menos realista e o blogueiro fictício escrevesse um pouco melhor.

Ah, e nesse capítulo o cara arranja uma namorada. Que caiu na inexistente lábia dele muito facilmente. Achei isso menos crível que o DOS te mandar para aquele lugar.
E aí... Depois de rápidas revelações, o livro acaba de forma meio abrupta.

Não sei se a idéia foi fazer um gancho para seqüência...
Não gostei muito de como o livro termina. Não posso explicar sem dar spoiler.
Mas, apesar de todos os problemas, eu gostei do universo criado pela autor. Gostei também da relação entre o cara e seu companheiro virtual. Lerei facilmente uma continuação. Ficarei de olho.

Veredicto final: é um livro fino, com uma história que te chateia as vezes mas prende a atenção (ajuda se você for ligado à FC e à Informática), e dá para ler de uma sentada. A capa é esquisita, mas pode comprar! Vai lá! Tem a venda até no Extra. (eu acho.)

E apesar de eu ter divagado um post gigante sobre o livro, se você chegou até aqui, é capaz de ainda estar no clima, então segue resenhas de outros blogs que eu achei interessantes:
OBS: (geralmente) eu só leio resenha dos outros depois de escrever a minha, então quando eu reclamo acima de coisas que também reclamaram abaixo, é porque tivemos a mesma impressão realmente.

Rápida recomendação do livro, onde descobri que terá mesmo uma continuação:
O Baronato de Shoah
Resenha curta, onde descobri o nome da tal continuação ("Os Anos de Silício"):
Depósito de Desatinos
E resenha em inglês, onde agora fiquei sabendo que será uma trilogia.
[mania que as pessoas têm por trilogias!]
The OF Blog

E é isso.

[ATUALIZAÇÃO 5/JUN]: li os dois contos que mencionei acima, o Good News do Silverberg e o outro. Humm... o primeiro eu não gostei não. É que não levou nada a lugar nenhum. O The Quest for Saint Aquin já foi muito melhor. Teria dado um ótimo começo de um livro. Leria até vários livros no universo criado, com suas religiões underground, asnos-robôs falantes e bartenders marcianas. Mas... é um conto curto de 20 páginas e só. E teve um problema: também terminou de forma meio abrupta. Não que tenha ficado em aberto nem nada... Mas tava indo, tava indo... e... Fim. Eu levei alguns segundos achando que estava apertando errado o leitor de ebook na hora de virar a página. Sério. O problema é que não tinha mesmo página seguinte. Pena.
Pelo menos conheci um escritor novo, depois vou ver se leio mais coisas do tal Anthony Boucher. Se os demais contos dele foram quase tão bons, estou bem.

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